Lenda de Colares
O historiador João de Barros, no romance de cavalaria “Crónica do Imperador Clarimundo”, editado em 1532 e oferecido ao Rei D. João III, fez desenvolvida referencia a Colir (Colares) situada ao pé de “uma serra de maravilhosa grandeza e altura, que como uma ponta se mete no mar,e bem a outra entra pelo sertão da terra contra a uma populosa cidade de Lisboa, que jaz da outra onde o rio Tejo se mete no grã mar oceano”.
Na maior altura de um monte destes está um castelo que se chama Sintra e por entre a penedia da serra há muitos veados, porcos e outros animais selvagens.
Naquele tempo, Clarimundo vendo a danificação feita pelos espanhóis naquela terra e tendo destruído o gigante Morbanfo, libertou os cativos dos moradores de Sintra e de vizinhos de Lisboa. Os de Sintra, vieram logo com muitos presentes de mantimentos, mas Clarimundo não lhe quis tomar qualquer coisa que lhe ofereciam.
Passados cerca de oito anos, segundo o mesmo romance, a abastada Condessa de Compa, natural da Alemanha, tendo-lhe sido matado o seu marido, acusado de adultério com a Raínha da Dinamarca, temendo a perseguição e reunindo as suas principais jóias embarcou em duas naus, com os seus três filhos e outros familiares. Não ousando pousar em terras de cristãos e muito cansada do trabalho do mar, vendo a fresquidão do lugar, pediu a el-Rei Zeilão de Lisboa que lhe desse um pouco de terra para nela habitar em sua lei sob as ordenações da terra e que, embora estrangeira, gostaria de ali viver.
O local era cercado de muitos pomares de todas as diversidades de frutas que se podem desejar, onde “um rio mui gracioso, que pelo meio destes pomares corre coalhado de muitas frutas e flores. E com um ruído suave se mete ao mar, onde faz a repartição delas, lançando-as por tantas partes que daí a seis e sete léguas se acham muitas maçãs, peras, marmelos e outros sinais de terra, com que os navegantes se alegram.
E saindo dos pomares entram em terra de pão, vinho, azeite e outros géneros de mantimentos e criação de gados que a fertilidade da terra dá”.
Respondendo ao pedido da Condessa, el-Rei Zeilão exigiu que ela lhe desse cem pesos de ouro e trezentos de prata por aquela terra pedida. Todavia, por não ter tanto valor, a Condessa deu três colares de ouro, em penhor da terra, com a condição de, se não os resgatasse daí a três anos, ficassem os colares por seus, ainda que valessem o dobro. “Feito este acôrdo, em pouco tempo e com a diligência dos seus, edificou um castelo a que pôs o nome de Colir, por deferência aos colares que dera como penhor da terra”. El-Rei Zeilão, depois que ela estava no seu castelo já mui repousada, vindo às vezes a esta serra caçar, dormia neste castelo, aonde se causou tanta conversação e amor que, vindo a descobrir em Sintra o bem que lhe queria, prometeu fazê-la raínha de Lisboa, pelo que ela quiz tornar-se moura para com ele se casar”.
Recolha e relato de António Caruna
…e ainda sobre Colares…
“Vejamos agora a versão do nosso poeta Gabriel Pereira de Castro na sua Ulisseia: hum novo Caco por nome Phitodemo devastava estes sítios e nelles habitava em huma profunda caverna, horrido covil de suas sanguinosas presas, o qual foi vencido e morto por Alcides.
Divulgada a notícia da sua morte por os povos daquella terra, ninguém ficou sem vêr a caverna, horrível habitação do gigante, despovoaram-se os campos para vêr o corpo ensanguentado, que arrastaram com fortíssimos collares, ergueram-se altares a Alcides.
E o tempo gastador que tudo come
De Collares conserva o próprio nome”.
In “Cintra Pinturesca”, do Visconde de Juromenha, 1838
Recolha e relato de António Caruna
Fonte: Site J. F. Colares